O artigo abaixo é o segundo de uma série sobre adultização. O tema vem sendo trabalhado pelo 14News no mês de fevereiro. Confira:
-A adultização possui várias linhas de frente, crianças como instrumento de trabalho é uma delas, porém hoje, proponho a reflexão sobre a adultização em meio as relações midiáticas e os possíveis transtornos relacionados ao adulto em miniatura, ou melhor dizendo, da criança- adulta.
A supervalorização da beleza, moda, fama, não é um fenômeno restrito ao mundo dos adultos, este fenômeno pertence ao mundo em geral, o que engloba o universo infantil, afetando de forma incisiva as crianças. As redes sociais, propagandas, novelas, filmes, televisão, são instrumentos de um sistema cultural que dita as regras, os discursos hegemônicos são elementos importantes para a construção de identidades e valores sociais, que dão forma ao pensar, agir e sentir, personificando assim, comportamentos,
estilos, saúde e consumo.
O resultado desta supervalorização, é a ocorrência cada vez mais acerbada de crianças sofrendo de sintomas de, como diria minha avó, “gente grande”. Crianças estressadas, ansiosas, deprimidas, desfragmentadas por completo. Crianças de 0 a 3 anos que estão no auge da constituição de si, e das relações com os demais, estão imersas neste arsenal de informações. Como conseguinte desde tenra idade deparam-se com situações que envolvem a conquista de resultados. Acarretando, assim, dificuldades de relacionamentos, em função de uma postura pautada na competitividade e muitas vezes desprovida da capacidade de respeitar o diferente ou o menos apto. Ressaltando a falta de habilidade para lidar com as frustrações e situações não planejadas que podem levar inclusive a bloqueios no processo de aprendizagem, depressão e suicídio.
Este descompasso existente entre o desenvolvimento cognitivo e emocional, é apresentado claramente todos os dias nas escolas, nas clínicas de Psicologia, nas instituições de ensinos culturais, etc. É visível o desempenho intelectual altíssimo, porém, regado de baixas condições emocionais. A sobrecarga de informações, compromissos, enfrentamentos e preocupações advindas das expectativas projetadas sobre elas. Os responsáveis ansiosos em vê-los transformados em adultos de sucesso, triunfando onde eles fracassaram, criam rotinas defasadas, repleta de compromissos, e, quando ociosos, permitem o mergulho no estado vegetativo, das telas comunicativas, sem orientações, pois, estes responsáveis também estão esgotados e adoecidos.
Meninas-Mulheres, Meninos-Homens, crianças transformadas precocemente em adultos, expostos a uma mídia cada vez mais agressiva. Necessitamos de um olhar mais atencioso já que somos nós, adultos, responsáveis pelos atos e direcionamentos dos pequenos. Assumir a responsabilidade em relação a proteção, manutenção e respeito à infância das crianças, é um dever e uma obrigação de todos. Não devemos jamais, ignorar o contexto histórico, por isso trago a recordação de que, no Brasil, a infância passou a ser considerada como um período de desenvolvimento humano com especificidades e necessidades diferenciadas, apenas no início do século XX, efetivamente com a lei 8069/90 da criação do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Possibilitar o mundo da imaginação, da leitura, das artes e inclusive o do silêncio é essencial, estimular as brincadeiras de rua, conto, fábulas é fundamental, proporcionar o contato com a natureza e a dor alheia é preciso. Colocar limites e ensinar a lidar com as frustrações, conflitos e insegurança é primordial!
A reflexão aqui proposta é, que sociedade desejamos, se estamos adultizando as crianças e transformando-as em adoecidos juvenis? O que estas crianças vão contar sobre sua infância? Se não houver qualidade na saúde mental, não haverá qualidade de progresso social!
Por Carolina Câmara – psicóloga clínica, gestora e diretora de relacionamento com o cliente na Amplificare Serviços de Psicologia.
