A primeira visita ao prédio da Faculdade de Odontologia da Unesp, em Araraquara, deu a real ideia da mudança que estava prestes a acontecer na vida de Luis Eduardo Genaro. As pessoas vestindo jalecos brancos pelos corredores e as salas e os laboratórios cheios de alunos em nada se pareciam com o cotidiano em que ele cresceu, na área rural de Borborema, município de cerca de 15 mil habitantes no interior de São Paulo.
O perfil do aluno que hoje cursa o quinto ano de Odontologia é parecido com o de centenas de estudantes que entram na Unesp todos os anos, vindos de famílias carentes e que, muitas vezes, são os primeiros no núcleo familiar a ingressar no ensino superior. Em comum neste perfil também está o fato de que, uma vez que lhes é dada a oportunidade, eles são igualmente capazes de atingir seus objetivos. E com Luis não foi diferente.
Não que essa trajetória e adaptação tenham sido fáceis. Longe disso. Mas, com a solidariedade de colegas, funcionários e professores de Araraquara somada a uma política estruturada de auxílios para Permanência Estudantil e a bolsas por mérito acadêmico e científico, Luis pôde se dedicar aos estudos e hoje acumula prêmios e vislumbra para seu futuro uma carreira na pós-graduação.
De Borborema à Araraquara
Passadas algumas listas de espera do Vestibular de 2016, Luis foi convocado pela Faculdade de Odontologia da Unesp pelo chamado “telebixo” (quando os alunos são convocados individualmente, pelo telefone). O vai-e-vem dos jalecos não foi a única novidade da sua primeira visita à faculdade, no dia da matrícula. Andar de elevador e ver um semáforo de perto também eram experiências inéditas para ele até aquele momento.
Luis foi selecionado no âmbito do programa de inclusão iniciado em 2014 na Unesp, que aumentou gradualmente o número de vagas no Vestibular reservadas para alunos que cursaram o ensimo médio integralmente em escola pública. Naquele ano, a porcentagem foi de 15% dos alunos. Atualmente, pelo menos 50% dos estudantes ingressantes da Unesp são provenientes de escolas públicas.
Eu morei a minha vida toda no sítio dos meus pais até vir para a faculdade, aos 17 anos. Sempre fui aluno de escola pública em Borborema. Até hoje, nos fins de semana, eu e minha mãe fazemos doces. Quando eu entrei, as aulas já tinham começado e as inscrições para auxilio-permanência ou para projetos de iniciação científica já estavam fechadas. Eu pensei, vou ter que me virar. Eu comecei a vender os doces caseiros na faculdade porque eles me davam uma renda no primeiro ano. Eu não sou rico. Sou eu mesmo quem pago minhas contas e meu aluguel porque meus pais não podem me ajudar”.
A prática de vender doces não era exatamente nova. Luis sempre ajudou sua mãe, Ana Ruth Pacheco Genaro, na fabricação de doces caseiros para complementar a renda da família. Ele já os vendia no colégio. O pai, Eduardo Donizete Genaro, é caseiro de um sítio na região rural de Borborema.
Durante a infância de Luis, Eduardo e Ruth notaram o interesse do filho pelos estudos. Em uma infância sem telefone celular, computador ou Internet em casa, a curiosidade do filho era saciada pelos livros antigos que a escola descartava e que o estudante prontamente levava para leitura em casa.
Prêmios
Na época de escola básica, Eduardo e Ruth procuraram incentivar esse gosto do filho pelos estudos. A relação de Luís com a família, inclusive, é um capítulo especial na trajetória do estudante, tanto que em 2018 ele recebeu o prêmio da ONG Dentistas do Bem por projeto em que homenageava a mãe.
Esse prêmio chama-se Estudante do Bem e é voltado para alunos de Odontologia. Neste ano, eles pediram para que os candidatos tirassem uma foto e apresentassem uma pessoa que precisasse de um tratamento dentário. Eu fiz o caso da minha mãe porque queria abordar os trabalhadores rurais. Peguei uma foto dela trabalhando de camisa e chapéu. Roupa da roça mesmo, sabe. E contei essa historia na forma de um poema. A minha família vem de roça. Eu tenho orgulho disso e queria contar um pouco dessa nossa história”.
Um semestre depois de entrar na faculdade, Luis começou a receber bolsa do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) para desenvolver um projeto de iniciação científica –um dos sete projetos de que participou até aqui, ao longo dos cinco anos do curso de graduação. No ano seguinte, foi habilitado a receber auxílio-permanência para alunos em situação de vulnerabilidade social.
Oportunidades iguais
A Unesp desenvolve há anos uma política de distribuição de auxílios a alunos em situação de vulnerabilidade social. A ideia central é dar a esse grupo as condições necessárias para que esses estudantes continuem suas atividades acadêmicas. O principal critério para concessão de auxílios de Permanência Estudantil na Unesp é ter renda per capita familiar de, no máximo, 1,5 (um e meio) salário mínimo.
As bolsas e os auxílios foram importantes para mim, especialmente a partir do terceiro ano, que é o ano mais puxado do curso. Com esse recurso, eu consegui dar uma folga na venda dos doces, que ocupava bastante do meu tempo, para me dedicar mais à faculdade e aos estudos. Agora não preciso trabalhar tanto fazendo e vendendo doces. A politica de Permanência Estudantil foi muito positiva para mim, tanto que eu recebo e ela é importante até hoje para mim”.
Em 2018, o projeto de iniciação científica de Luís foi contemplado com uma bolsa da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Mais tarde, o projeto desenvolvido com o apoio da agência paulista foi motivo de mais um prêmio na curta carreira do aluno. Luís estudou a biocompatibilidade da incorporação de uma susbtância chamada nano-hidroxiapatita ao cimento de ionômero de vidro, um material muito utilizado na Odontologia, especialmente na odontopediatria, porque leva adição de flúor que propicia a ação antibacteriana e promove a remineralização da estrutura dos dentes.
Neste sentido, a incorporação da nano-hidroxiapatita, um material já presente na nossa estrutura dentária, poderia aumentar a sua biocompatibilidade. A comprovação dessa hipótese rendeu o primeiro lugar entre os projetos de iniciação científica apresentados em um congresso organizado pelo Grupo Brasileiro de Professores de Dentística (GBPD), no Rio de Janeiro.
A sua segunda bolsa de Iniciação Científica pela Fapesp, ainda em andamento, quer verificar a efetividade de métodos de avaliação de destreza manual para treinamento pré-clínico em Odontologia.
Luís Genaro durante apresentação de seu projeto de Iniciação Científica (Arquivo pessoal)
Nesses tempos de isolamento social e quarentena em razão da pandemia da Covid-19, Luís está de volta à Borborema. Divide o tempo entre o apoio à família, que segue na roça e fazendo doces caseiros, e as aulas online que assiste por meio do telefone celular. Seus planos incluem a formatura na graduação e a sequência dos estudos em um projeto de mestrado na área de aplicação de biomateriais.
Meus pais não tiveram condiçoes de me ajudar financeiramente, mas sempre me apoiaram fazendo doces e de outras tantas formas. Hoje eles ficam emocionados, especialmente minha mãe, que foi quem mais me apoiou sempre. Mesmo sabendo das dificuldades, eles já ouviram que filho de pobre não faz faculdade, que Odontologia não era pra mim, ou que eu não iria conseguir me formar. Eu sempre levei isso como motivação. Por que essas coisas não seriam para mim? Eu não sou diferente de ninguem”.