A greve dos caminhoneiros, iniciada no último dia 20, mobilizou o país – desde a adesão e simpatia pelo movimento até seus reflexos à sociedade – e escancarou decisões e consequências político-econômicas da população e de seus respectivos governantes. Sendo um direito conquistado com muito suor e luta pela população, a prática é alvo de constantes debates sobre sua legitimidade além de ser uma poderosa ferramenta política, um instrumento de manobra que pode facilmente ser utilizado de maneira nociva contra os próprios – e por eles – trabalhadores.
A “permissão” e os parâmetros de manifesto previstos na constituição – artigo nono e lei 7.783/89 – indicam autonomia da população para o exercício da crítica, organização e da paralização de suas atividades, desde que, previamente avisadas. Não foi bem assim, contudo, que o texto constitucional enxergou esse ato nos primeiros anos de república. Inexistente em seus primórdios, o modelo federativo nacional negociou, muitas vezes, de maneira autoritária esses direitos, vide concessões trabalhistas do Estado Novo que se, por um lado, garantiam segurança e proteção mínimas ao trabalhador, do outro, silenciava sindicatos, organizações e as próprias greves acabando por blindar o próprio poder público e as empresas.
Da mesma forma que não se tinha (acordando que atualmente “temos”) reconhecida a liberdade legal da greve, tampouco existia uma classe trabalhadora consolidada no meio jurídico e social no país. Parte de um processo mundial (Organização Internacional do Trabalho foi fundada em 1919, na Suíça), o Brasil teve ao longo desses anos o surgimento das principais questões envolvendo o trabalho e o trabalhador. O crescente processo de industrialização, a “recente” abolição do trabalhado escravo, as imigrações e os grandes centros urbanos ganhando cada vez mais notoriedade foram alguns dos fatores que fundamentaram e constituíram o corpo das reivindicações, do processo de reconhecimento do trabalho, devidamente protegido, como essencial ao exercício da cidadania e integração da nação.
A aquisição e conquista de direitos trabalhistas, contudo, não parte estritamente do trabalhador. Ao lado de regimes políticos preocupados com sua relação e imagem com essa classe (vide os moldes corporativistas, aqui exemplificado), as próprias empresas, o patrão, são personagens fortes na situação. Se o direito do trabalho surge como uma ferramenta de proteção do Estado na relação, quase sempre desfavorável, entre trabalhador e empresa, o caminho reverso, ou seja, o incentivo do patrão ao trabalhador para uma paralização visando prejudicar ou enfraquecer alguma medida ou serviço estatal, que quase sempre é quem o financia, tem a nomenclatura de Lockout – prática essa proibida no país justamente pela intervenção de um interesse privado, através de uma conquista pública e social.
Os tempos políticos do país são incertos e inflamados. A greve não deixa de escancarar a necessidade de diversos reajustes e medidas para uma classe essencial ao funcionamento do país – como muitas outras – contudo, é fácil e extremamente perigoso para a atual conjuntura o esquecimento de que direito trabalhista é um equivalente social no país, reconhecer a proteção da lei no seu dia a dia, no labor não pode servir como peça de xadrez em um jogo midiático, político e de interesses privados. O combustível dessa greve, deve ser o avanço de todos.
por Pedro Minhoni, colunista do Agência14News