O governo nacional está em vias de regulamentar o e-sport (esporte eletrônico) no país. O projeto vai tratar, dentre outros pontos, de definir o que é ou não considerado como tal, quem são os atletas, a conduta esperada, os times, o comportamento da comunidade, enfim, adequar o “novo” esporte ao certame regulamentado para diversas outras modalidades. Cercado de dúvidas sobre o que seria ou não considerado um, resolvi investigar. Afinal, o que define a prática esportiva?
Observa-se que muitos dos mecanismos de ação e de entendimento dos Estados contemporâneos em relação ao assunto tem influência direta do documento publicado pela UNESCO, em 1978, que define horizontes da prática esportiva. Delimita, basicamente, a atividade em três “grandes grupos”, sendo eles: o de esporte-educação, esporte-participação e o de esporte-rendimento. Por educação entende-se o fomento e incentivo à atividade esportiva em escolas, do relacionamento entre esporte, saúde e exercício de cidadania; por participação busca-se a identificação cotidiana, o lúdico do esporte, validar a prática por qualquer pessoa, independente do fim (a várzea, por exemplo); por último, o de rendimento, de caráter profissional e que foi durante muito tempo considerado a única definição do assunto perante leis e organismos institucionais.
Em ao menos duas das direções propostas pela UNESCO é possível “encaixar” o esporte eletrônico como válido. Profissionalmente, que tende a ser o principal alvo de ação do projeto, a notoriedade é inquestionável. Colecionando premiações milionárias –o The International, torneio de DOTA2 do ano de 2017 por exemplo, premiou o time vencedor com a quantia de 10.8 milhões de dólares – o assunto teve um crescimento exponencial nos últimos anos (estima-se que na China, mais de 100 milhões de pessoas joguem/pratiquem League of Legends), levando inclusive empresas de outros ramos a buscar participação no meio (Corinthians e Red Canids, Old Spice e Hearstone, PSG e LGD). Nada mais justo que a sintonia legislativa, uma proteção para times, atletas e comunidade que, além de tirar o país da margem do esporte com um conjunto de leis mais estruturadas e específicas para investimentos internos e externos, permite incentivos fiscais e econômicos que já tocam outras modalidades.
Tais números, contudo, seriam impensáveis sem a participação. De fato, fica difícil imaginar um cenário em que o Estado brasileiro proponha o fomento dessa modalidade, incentive-o diretamente na sua forma lúdica. E, sendo bem sincero, não é necessário. Ligas universitárias, torneios inter-classes, as ranked pós-escola, já o fazem com maestria. A própria comunidade cuida dessa parte. Doravante, um reconhecimento do exercício do e-sport afetaria diretamente o sentimento de pertencimento entre praticante e Estado, proporcionaria uma sintonia constitucional de grande parcela da população para com a legislação.
A discussão referente a esporte, contudo, não se resume exclusivamente aos temas debatidos acima. A prática do esporte eletrônico não interfere na questão da saúde propriamente dita, ele não é “atlético” como um todo, pelo contrário, com uma simples busca é possível encontrar diversas notícias ou estudos sobre os problemas do sedentarismo que facilmente podem ser conectados com o tema (argumento destinado a agradar pais, avós e cuidadores diversos). Não é regra ao exercício eletrônico o sedentarismo, todavia, é um perigo que afeta nossa sociedade como um todo, indo da rotina de trabalho, ao uso incessante das redes sociais em dispositivos móveis, como também a prática do jogo.
Outra vertente, essa levantada por TUBINO (Manoel), é a do esporte comercial, do atleta como força motora de transações milionárias (situação de fácil reconhecimento em outros esportes, como no futebol) e que, considerado o lado econômico, unilateralmente, liquidaria grande parte dos questionamentos referentes ao caso do ser ou não ser um esporte. A ótica monetária não deve ser absoluta para análise da situação, tampouco, podemos negá-la. Uma legislação que leva em conta suas proporções ajudaria a definir os rumos da participação nacional, da fatia de atenção que o país daria ao assunto. Para além das cifras exorbitantes – resultado de propagandas, produtos licenciados, shows – o país sofre em muitas modalidades com a aplicação frágil desse capital, com uma base fraca (dependente do nascimento de “gerações”), infraestrutura precária e um ataque constante do estrangeiro perante os atletas nacionais. Não seria o e-sport uma (milésima) chance para reverter esse quadro??
Ainda sobre o perímetro do tema, o âmbito dos costumes é um dos que reserva mais percalços para a discussão. Negar a força do movimento, da adesão – principalmente jovem – populacional é fechar os olhos para o futuro. Enxergar a combinação software/mouse/teclado como uma ferramenta competitiva e de expressão técnica, da mesma maneira que se olha uma bola – NOTA: ambos os exemplos são seres inanimados, constituídos em sua maioria de material sintético, livres de vontade própria ou capacidade cognitiva, ou seja, animais – por exemplo, vai ser um processo longo e que dificilmente será unanime na sociedade, mas que poderia ser um bom primeiro passo nesse processo.
O esporte proporciona a tenção de questões culturais e políticas vitais na nossa sociedade – representação, esforço físico e intelectual, a inclusão, competição e a própria diversão descompromissada – bem como fez “surgir” diversas figuras chave ao longo da história. Se o esporte eletrônico vai fazer parte desse ciclo ?? Difícil saber. A pratica já tem consigo diversas problemáticas “corriqueiras” de outros meios da nossa sociedade como o racismo, o xenofobismo, a impunidade argumentativa. Se não para solucioná-los, que pelo menos o debate proporcione a reavaliação de antiga estruturas operacionais e tradições que tanto atrapalham nosso cotidiano e respeito mútuo.
Bom farm a todos!
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