O Agência14News ouviu especialistas a respeito do projeto do Senado sobre combate ao tráfico e tratamento de usuários de drogas que aguarda sanção da presidência da república.
Entre os pontos mais polêmicos está o da internação de dependentes por 90 dias a pedido da família com menor burocracia e punição maior a traficantes que chefiam grupos ou pena reduzida a quem for pego com menor quantidade de entorpecente.
ONG DE REFERÊNCIA
Juberto Galdino, do Grupo Reage, de enfrentamento às drogas de Botucatu, diz que “O texto determina que o tratamento do usuário ou dependente de drogas ocorra prioritariamente em ambulatórios, e pelo que compreendi a internação é quando for autorizada por médico em unidades de saúde ou hospitais gerais com equipes multidisciplinares. A internação poderá ser voluntária (com consentimento do dependente de drogas) ou não. A involuntária, também chamada de compulsória, dependerá de pedido de familiar ou responsável legal ou, na falta destes, de servidor público da área de saúde, de assistência social ou de órgãos públicos integrantes do Sisnad e será formalizada por decisão médica”.
Ele cita ainda que “o dependente químico poderá ficar internado involuntariamente por até 90 dias para desintoxicação. O familiar ou representante legal pode pedir ao médico a interrupção do tratamento a qualquer momento”.
DELEGADO EXPERIENTE
O delegado Paulo Buchignani, da DISE – Delegacia de Investigações Sobre Entorpecentes de Botucatu, também falou sobre o assunto. “O projeto traz redução de pena quando pega o traficante com pequena quantidade de droga. Isso ao meu ponto de vista é muito equivocado porque as estratégias dos traficantes é de fazer a operação formiguinha: vender de pouco em pouco justamente quando a polícia ao efetuar a prisão de uma pessoa que está vendendo na biqueira, que o traficante maior não perca muita droga e essa venda ocorre o dia inteiro. Na maioria esmagadora quem vende em pequenas quantidades, na verdade, faz isso de maneira intermitente: o dia inteiro, a semana inteira, a semana toda, o mês inteiro. Eles deixam as grandes quantidades escondidas. Mas, afinal, quem é o grande ou pequeno traficante para um pai ou uma mãe? Para eles o maior traficante é aquele que conduz o seu filho ao vício e vende e oferece droga ao seu filho. Esse sim é o grande traficante, que leva droga na porta de tantos lares, mas esses mais nocivos vão ser acobertados se presos forem”.
“O projeto acena para aumentar a punição a quem comanda o tráfico ou faz parte de facção criminosa, mas essas situações são difíceis de se comprovar. Mas não pode dar ‘prêmio’ a quem não pertence a facção criminosa com redução de pena. Isso é um absurdo”.
“Já em relação ao tratamento o projeto define vários tratamentos ambulatoriais ao dependente químico, mas fica a pergunta: onde serão esses tratamentos? A rede pública já não suporta tantas demandas. Há o pai de família que trabalha e paga os seus impostos. Como a rede pública vai suportar essa avalanche de dependentes químicos sem um suporte financeiro ou grande especialização? E sabemos da dificuldade de recuperar esse dependente. É impossível definir uma política pública desde que o dependente queira, que pelo menos seja imposta essa situação, ou ele vai se tratar ou sofrerá uma repressão mais rigorosa. Falta punição mais rigorosa ao usuário porque é ele quem mantém toda essa escalada do crime. Já não é mais momento achar que o usuário é um simples coitado. É esse usuário que invade a sua casa. Furta o seu carro, assalta e mata, causando sensação de insegurança à sociedade que não pode mais pagar o preço. Hoje o usuário não paga nem uma cesta básica e não há nenhuma pena de prestação a comunidade. Sinto uma lacuna nesse projeto que aborde essa situação. Uma posição com medida pedagógica, que aceite o tratamento porque hoje está muito fácil para ele. Pode ser pego uma, duas ou das vezes e nenhuma consequência ocorre com ele. A sociedade não pode mais pagar esse preço. Um tópico que não vi no projeto é a preocupação do legislador em relação à prevenção. O projeto fala em comunidades terapêuticas e desconto como pessoa física ou jurídica a quem fizer doações em valores para programas voltados ao usuário, mas nós temos que pensar em medidas que o jovem evite entrar nas drogas. Estudos mostram que a recuperação do usuário é muito pequena e é muito mais caro tratar do que atuar na prevenção”, finalizou o delegado.
PROFISSIONAL DE INTERNAÇÕES
Alessandro Policastro faz trabalho de internar usuários em clínicas particulares. “É um avanço principalmente em relação ao tratamento de dependentes químicos, bem como as leis do tráfico de drogas, inclusive, poder usar tudo m o que aprendeu do traficante, desde os carros, dinheiro, tudo isso para oferecer tratamento ao dependente. É um avanço até porque existe uma dificuldade muito grande para ele aceitar que precisa de ajuda, e as famílias ficam desesperados sem saber o que fazer. Os dependentes sempre acreditam que podem usar parar sozinho e a gente sabe que não é assim. A família tem que intervir mesmo e tomar a frente. Com essa lei as coisas melhoram. Criar um plano terapêutico para cada dependente é um avanço também. Três meses é pouco (para internação) porque pessoas usam por muito tempo da vida e não conseguem mudar em então pouco tempo. Isso vai muito do seu desejo e o despertar que a pessoa tiver. Isso vai de cada um: com menos tempo e outra não. Como é uma doença, o tratamento tem que ser intenso e quando o dependente começa a se colocar em risco – tanto ele e terceiros – ele não vai mais responder mais por si e precisa haver a internação e a intervenção da família”.
MUDANÇAS
O Senado aprovou na quarta-feira (15) mudanças na política sobre drogas. O Projeto de Lei da Câmara (PLC) 37/2013, aprovado em Plenário, altera o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad), que coordena medidas relacionadas à prevenção do uso de psicoativos, à atenção à saúde de usuários e à repressão ao tráfico. O texto reforça o papel das comunidades terapêuticas no tratamento de dependentes e facilita a internação involuntária, contra a vontade do dependente. O projeto segue para a sanção.
Apresentado pelo ex-deputado e atual ministro da Cidadania, Osmar Terra, o projeto altera a Lei Antidrogas (Lei 11.343, de 2006) e mais 12 leis. Entre outros pontos, o projeto aumenta a pena mínima para o traficante que comandar organização criminosa e prevê uma atenuante para o acusado se a quantidade de drogas apreendida “demonstrar menor potencial lesivo da conduta”. Nesse caso, a pena deverá ser reduzida de um sexto a dois terços.
Ao longo dos seis anos de tramitação no Senado, o PLC 37/2013 chegou a ser aprovado, com alterações, pelas comissões de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) e de Educação, Cultura e Esporte (CE), mas o relator nas comissões de Assuntos Econômicos (CAE) e de Assuntos Sociais (CAS), senador Styvenson Valentim (Pode-RN), decidiu resgatar o texto aprovado pelos deputados federais.
Para ele, a aprovação do projeto da forma como veio da Câmara seria uma forma de evitar mudanças que levassem o projeto a retornar à análise dos deputados. O relator lembrou que o texto está sendo analisado desde 2010 e que já passou por “exaustiva análise, tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado”.
— É um projeto de largo alcance social, que abrange as áreas de saúde, de segurança e de bens inestimáveis, como família e dignidade à pessoa humana. A problemática é de conhecimento amplo. O uso da droga na atualidade é uma preocupação mundial. Entre 2000 e 2015, houve um crescimento de 60% no número de mortes causadas diretamente pelo uso das drogas — argumentou.
O projeto foi elogiado por vários senadores, entre eles, Eduardo Girão (Pode-CE). Para o senador, o trabalho das comunidades terapêuticas supriu um vácuo deixado pelo governo nos últimos anos. A essência do projeto, disse, é humanidade.
— Para mim, é o dia mais importante, o dia mais importante desses 103 dias no Senado. Essa matéria é da maior importância para o Brasil. Enquanto nós estamos conversando aqui, trocando ideias, há famílias e famílias sofrendo com dependentes químicos, chorando nas ruas, sem encontrar um caminho —afirmou Girão.
Humberto Costa (PT-PE) fez várias críticas ao projeto. Para ele, o texto ignora a política da redução de danos, para os casos em que a pessoa não consegue abandonar o vício. Além disso, disse, o texto nega o papel da rede de atenção psicossocial, promove o aumento do encarceramento e trata as comunidades terapêuticas como abordagem única.
— Obviamente que como a dependência também é resultado de inúmeros fatores, a questão precisa ser abordada de várias maneiras. Não existe uma única forma de abordar o problema. Não existe uma única maneira de tratar. Qualquer proposição que tente enfrentar o problema deve ter uma visão ampla. Esse projeto representa um retrocesso — disse o senador, que defendeu a aprovação do texto com as mudanças feitas pela CCJ.
Entre as mudanças que constavam do parecer aprovado pela CCJ estava o critério objetivo para a definição de quem é usuário e traficante. Essa sugestão havia sido do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, como integrante da Comissão Global de Política sobre Drogas, vinculada à Organização das Nações Unidas (ONU). Outra inovação do texto era a possibilidade de importação de derivados e produtos à base de canabinoides para fins medicinais.
(do Agência14News com Agência Brasil)