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De Cerquilho para o mundo: conheça o talento de Gabriele Leite

Ao pensar em jovens cientistas brilhantes, a primeira coisa que vem à cabeça da maioria das pessoas é um perfil de jaleco branco, com provetas ou calculadoras nas mãos, relacionado a áreas como exatas e biológicas.

Até mesmo filósofos e grandes escritores, dentre outros representantes de humanidades, são deixados de lado em um primeiro momento, dada a construção estereotipada do que é ciência.

Essa percepção errônea, no entanto, se dissipa e se redefine ao conhecer a jovem Gabriele Leite, violonista recém-formada pelo Instituto de Artes da Unesp em São Paulo, que coleciona títulos, como o de melhor participação brasileira em 2019 no Festival Koblenz, da Alemanha, um dos maiores do mundo.

“Música também é ciência, também é pesquisa. Eu  tive que estudar e pesquisar tanto quanto qualquer outro congressista que está aqui. E não foi pouco”, diz, sorrindo e citando a 31ª edição do Congresso de Iniciação Científica da Unesp realizado no final de novembro em Sorocaba, onde Gabriele se apresentou na abertura do evento, como convidada de honra, e concedeu esta entrevista.

Com apenas 22 anos, Gabriele conta que o gosto e a carreira na música nunca foram tabu dentro de sua casa em Cerquilho, cidade interiorana localizada a 138 quilômetros da capital paulista. Pelo contrário. A música foi como uma herança. Seus pais, a costureira Edelzuita Rodrigues Leite e o mecânico industrial Roberto Leite, sempre a incentivaram e a apoiaram.

“Lembro que lá em casa a gente tinha o hábito de assistir a concertos pela TV, tanto do (Luciano) Pavarotti e de artistas renomados no meio clássico quanto de bandas de rock. Lembro que meu pai alugava uns DVD’s. Tenho uma irmã mais velha que nunca deu bola pra essas coisas, mas eu sempre gostei, até porque meu pai e minha mãe gostavam muito. O rádio ficava ligado o tempo inteiro e, nas minhas horas de folga, eu ficava no quintal de casa, montava a bateria com uns baldes de limpeza, pegava a vassoura e ficava fingindo que estava tocando, fingindo que tinha uma banda”, lembra a violonista.

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Foi seu tio avô que concretizou o seu primeiro contato com um instrumento, ainda na infância. “Meus pais não tinham condição de me dar um violão de verdade e aí meu tio, que percebeu meu interesse, me deu de Natal. Em vez de um patinete que era o que eu queria, meu sonho até então, eu ganhei um violão. Eu não sabia tocar. Pegava e ficava fazendo qualquer coisa, mas já gostava muito da sonoridade”, recorda.

A mãe Edelzuita quis matricular a filha no conservatório de Tatuí, cidade vizinha, mas não poderia acompanhá-la devido ao seu trabalho como autônoma e à pouca idade de Gabriele. Alguns meses depois, ficou sabendo que estrearia em Cerquilho o Projeto Guri e, após esperar mais de um ano, conseguiu inscrever a pequena musicista. Foi assim que, aos 7 anos de idade, Gabriele começou sua trajetória.

“No projeto Guri da minha cidade, comecei já na turma de violão. Depois de lá, fui para o conservatório de Tatuí e estudei por mais seis anos, até chegar a hora de prestar vestibular. Quando decidi que prestaria para a Unesp e acabei passando.”

O ingresso da violonista no Instituto de Artes da Unesp foi em 2016. Durante a graduação, recebeu a bolsa de estudos concedida em parceria da Fundação Magda Tagliaferro e a Cultura Artística, obtendo aulas regulares com o professor Paulo Martelli. Quanto ao bacharelado no curso de violão, teve como orientadora a professora e pesquisadora Gisela Nogueira, influente figura feminina no violão clássico nacional.

“Ir para São Paulo sendo do interior, de Cerquilho, foi uma mudança bastante significativa na minha vida. Eu, a partir de então, estava em um ambiente acadêmico. Comecei a pesquisar muito mais sobre o que eu fazia, sobre tocar violão, sobre os compositores, as peças. A gente acaba entrando em um ambiente de pesquisa de música”, diz.

Gabriele Leite.

E as pesquisas resultaram em reconhecimentos. Só em 2018 Gabriele ganhou competições nacionais de violão, como I Concurso Nacional de Violão Assovio Vertentes, o XXII Concurso Nacional de Violão Musicalis e o XXIX Concurso de Violão Souza Lima. Em edições anteriores dos concursos Souza Lima e Musicalis, havia vencido nos turnos I e II e na categoria de música de câmara. Também foi selecionada como bolsista nas últimas três edições do Festival Internacional de Campos do Jordão.

Em 2019, foi semifinalista do concurso internacional de violão e premiada como a melhor participação brasileira no 27º Festival Internacional de Violão de Koblenz, na Alemanha. 

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“Fui para o Festival sem pretensão nenhuma. Cheguei lá, me apresentei e pensei ‘por que não competir?’ E saí de lá como semifinalista do concurso”, lembra.

Graças à bolsa de estudos já mencionada, que continuará recebendo até 2020 da parceria Fundação Magda Tagliaferro e Cultura Artística, que Gabriele pôde estar na 27ª edição do Festival de Koblenz. “Graças a isso eu tive possibilidade de viajar para fora do país e tive a oportunidade também de participar desse concurso que tem dentro desse festival, de violão, um dos mais famosos do mundo. Fui bem, fui até a semifinal… Quando ganhei a premiação de melhor participação brasileira no festival, fiquei muito feliz porque havia outros brasileiros muito bons. Foi um reconhecimento do trabalho e de todos os esforços para estar lá. Fiquei muito feliz mesmo, muito grata”, afirma Gabriele Leite, dona de tranquilidade e bom humor ímpares. 

Quando questionada sobre medos e desafios, ela é mais uma vez simples e tranquila, embora lamente a desvalorização da arte e dos artistas no país.

“Acredito que hoje em dia ser músico no Brasil, especialmente ligado às artes, é um plano muito difícil de perspectiva de vida. Acho que o maior desafio é saber como você vai seguir essa carreira, como vai se manter dentro desse meio. Essas dificuldades envolvem principalmente questões financeiras. Querendo ou não, ainda é um ambiente de muito privilégio, de pessoas muito privilegiadas. Há uns 20 anos, dificilmente veríamos uma pessoa pobre que estuda violão, faz piano, esse tipo de coisa. Isso vem mudando, mas ainda é um ambiente difícil de entrar. Será que as pessoas vão te olhar como artista e não como uma pessoa coitada que conseguiu estar lá?”, questiona a violonista. “O que eu queria mesmo era desenvolver a música. Acho que todo mundo deveria conhecer a música. Tenho algumas coisas em mente. Ainda não coloquei na prática nem no papel, mas eu queria levar (a música) para os lugares mais estranhos, onde ela não entraria. Para isso, o maior desafio é se manter na carreira.”

-diz Gabriele.

Apesar das névoas que pairam sobre o futuro e a carreira, assim como ocorre com qualquer outro jovem recém-formado no Brasil, Gabriele passa confiança e esperança na profissão. “Pego o famoso e famigerado canudo em março e eu estou muito feliz e realizada de ter estudado em uma universidade como a Unesp, em um instituto como o IA. Isso me possibilitou tantas oportunidades que, se eu não estivesse aqui, talvez não teriam acontecido. Sou muito grata à Unesp e aos professores que fazem a gente pensar de maneira diferente a música… De pensar o ser humano mesmo, de se adaptar muito bem, se humanizar, correr atrás, ser resistência, todas essas coisas que ajudam na vida, e no currículo mesmo.”

Veja abaixo o vídeo do recital de conclusão de curso de Gabriele Leite, gravado no Teatro Maria de Lourdes Sekeff, do Instituto de Artes da Unesp, no câmpus de São Paulo. Este e outros vídeos estão disponíveis no canal que a violonista mantém no Youtube.

Por Andrezza Marques – Estudante de Jornalismo da Faac, câmpus de Bauru, sob supervisão de Fabio Mazzitelli

Redação 14 News

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