A acadêmica Ana Carolina traz um forte relato sobre os desafios da população albina
Mundialmente, 13 de junho é conhecido como o Dia Internacional de Conscientização sobre o Albinismo, que segundo a Sociedade Brasileira de Dermatologia, é uma condição provocada por uma desordem genética na qual ocorre um defeito na produção da melanina, pigmento que dá cor a pele, cabelo e olhos. A alteração genética também leva a modificações da estrutura e do funcionamento ocular, podendo desencadear problemas visuais.
Diante da relevância do tema, a Assessoria de Comunicação e Imprensa (ACI) da Faculdade de Medicina de Botucatu (FMB/UNESP), entrevistou a jovem Ana Carolina de Souza, aluna do mestrado acadêmico em Saúde Coletiva. “Tenho 28 anos e sou uma mulher albina e com deficiência visual. Sou graduada em fisioterapia há cinco anos e em 2018 vim para Botucatu para realizar minha Residência em Saúde da Família e logo após iniciei o mestrado, em que estou em processo de conclusão, no Programa de Saúde Coletiva da Faculdade de Medicina de Botucatu”, informa a acadêmica.
No bate-papo, que será transformado em um podcast a ser divulgado durante a semana, Ana Carolina fala sobre como se percebeu albina, a importância do suporte da família, a desinformação e o preconceito que ainda cercam a discussão do tema e as dificuldades enfrentadas durante seu processo de formação. A jovem também valoriza sua recém-chegada como integrante da Comissão Local de Acessibilidade e Inclusão da FMB. Ana Carolina tem um perfil no Instagram que é @cor.albina. onde estimula a discussão sobre pontos que permeiam o albinismo. Sigam para conhecer mais sobre essa condição.
Confira a entrevista na íntegra:
ACI: Ao contrário do que muitas pessoas imaginam, o albinismo não é uma doença, não é?
ANA CAROLINA: Muito diferente do que muitas pessoas pensam, albinismo não é uma doença. É uma condição provocada por uma desordem genética de caráter hereditário irreversível que altera a enzima tirosinase que é responsável pela produção da proteína melanina. É uma condição considerada rara, que independe do tipo de classe social e ocorre em todas as regiões do mundo, com incidência de um caso para cada 20 mil habitantes. No Brasil, infelizmente não tem um mapeamento epidemiológico do albinismo e apesar da escassez de estudos, pressupõem-se que a incidência no país seja semelhante à da África, permitindo prever uma maior incidência em locais com maior prevalência da população negra, que no Brasil é a região nordeste, o que é uma situação preocupante pelo alto índice de raios ultravioletas A ausência da melanina no organismo aumenta a vulnerabilidade da pessoa a uma série de agravos. Quando não temos essa barreira protetora deixamos de proteger principalmente a pele e os olhos, nos tornando muito mais sensíveis à exposição dos raios ultravioletas. Essa condição leva as pessoas com albinismo a desenvolverem lesões cutâneas, assim como problemas relacionados a acuidade visual, incluindo fotofobia, nistagmo (tremor) e deficiência visual.
ACI: Você se recorda qual foi o primeiro momento em que você se deu conta que apresentava uma condição diferente da maioria das pessoas?
ANA CAROLINA: A minha percepção e a minha identificação enquanto uma pessoa albina me ocorreu de forma tardia. Eu tive primeiro que ver essas características, me reconhecer, me sentir pertencida a tudo isso, para depois identificar que entre essas características eu também tinha redução da acuidade visual, que se caracteriza como uma deficiência visual. Eu me reconheci primeiro como albina e depois me entendi como uma pessoa com deficiência. Todo esse reconhecimento foi um processo difícil porque chegou para os meus pais tardiamente e dentro de uma abordagem muito errada e totalmente irresponsável. Meus pais são muito brancos, principalmente meu pai. A família predominantemente branca também. Aos três meses, minha mãe percebeu algumas características que eu apresentava, principalmente visuais. Meus olhos, as vezes, ficavam vermelhos e tremiam. Meus pais foram atrás de um pediatra que recomendou que procurasse um oftalmologista. E a abordagem não foi acolhedora. Ele deu um diagnóstico totalmente errado, dizendo para meus pais procurarem uma escola especial que eu teria que aprender braile e só poderia enxergar vultos. Eu já tinha um ano quando ele disse isso. Minha mãe, muito inconformada via que eu acompanhava seus estímulos, brincava com objetos coloridos. Em sempre estudei em escola pública de ensino regular, com muitas dificuldades, mas nunca estive nesse lugar que me foi colocado de uma forma muito pejorativa e negativa. A partir dos três anos comecei a usar óculos, fiz alguns tratamentos para corrigir estrabismo, foi um processo bem difícil porque a escola é um ambiente em que a gente tem o primeiro contato com pequenos seres e mesmo criança eu já era mais alta, mais branca, mais magra. Além das características do albinismo eu tinha outras que foram alvo de bulling. Usava tampão, usava óculos com uma lente super grossa, tinha que sentar na frente, tinha que aproximar meu rosto do caderno. Foi um ambiente de muito trauma para mim. Na época eu não dava tanta importância. Claro que em certas ocasiões eu ficava triste, chorava, mas tinha minha maneira de lidar com isso. O apoio da minha família, principalmente de minha mãe que esteve presente em todo meu processo de educação, foi fundamental para encontrar forças para lidar com essas situações. Esse reconhecimento me veio ao perceber a forma como minha mãe lidava com isso, que foi muito natural. Não fui privada de nada. Quando falavam para minha mãe que eu era muito branquinha ela logo dizia que eu era albina. E a partir de certo momento eu passei a reproduzir isso. Foi assim que me percebi como alguém diferente.
ACI: A pessoa albina deve se cercar de cuidados para manter a saúde em ordem e superar as dificuldades impostas por essa condição. Isso sempre fez parte da sua vida? Que cuidados você toma?
ANA CAROLINA: A ausência dessa barreira protetiva que é a melanina faz com que a gente necessite de um cuidado longitudinal. Desde bebê é extremamente importante esse acompanhamento porque algumas orientações são vitais para prevenção de câncer de pele, envelhecimento precoce, lesões. E os cuidados, quando tomados de forma correta, proporcionam qualidade de vida melhor para nós pessoas albinas. Isso precisa ser adotado como um hábito. Ser albino impacta nas relações, nos hábitos sociais. Eu me lembro, desde muito pequena, minha mãe sempre teve muito cuidado. Eu ia para a praia, brincava na rua. Me recordo que estava sempre protegida, de chapeuzinho, com blusa de manga comprida, muito protetor solar. Nunca fui privada de nada. Hoje tenho a rotina de acordar, passar protetor, pensar na roupa que vou usar. Isso precisa ser construído desde pequeno. Para isso os pais precisam receber orientação correta sobre qual o tipo de foto proteção é a mais adequada para aquela pessoa, como utilizar o filtro solar, quais os outros cuidados a serem tomados: uso de roupa com proteção UV, chapéu, sombrinha. Isso tudo precisava chegar ao conhecimento dos responsáveis dessa criança, que depois de aprender tudo isso levará como hábito pelo resto de sua vida. É importante também um acompanhamento profissional com oftalmologista, dermatologista, acompanhamento multiprofissional pensando em todas as questões que permeiam o albinismo: psicológica, assistencial. Isso tem que acontecer de forma periódica. Pelo menos uma vez ao ano as pessoas precisam passar por um exame de pele para monitorar os sinais existentes, prevenção de câncer da pele. Falando nisso, em 2018 eu tive melanoma. Foi um tipo de câncer maligno que se estendeu de uma forma muito agressiva. Eu precisei de algumas intervenções mas hoje estou curada. Foi bem difícil para mim e minha família. Era um momento em que eu estava passando por várias mudanças e aí tive que lidar com isso. Mesmo tendo os cuidados desde a infância desenvolvi esse câncer. Depois disso meus cuidados ficaram mais rígidos. Hoje me preocupo com o horário que eu saio de casa, passo o protetor solar de forma mais periódica. Faço utilização e reposição de vitamina D numa dosagem alta porque é importante para outros sistemas, principalmente a parte óssea. Sou paciente do programa pró-albino que é uma iniciativa magnífica. Tenho o desejo que esse programa seja estendido para o território nacional. Ele atende pessoas albinas de todo o Brasil e de outros países e conta com uma abordagem multi/inter profissional com profissionais especializados numa abordagem totalmente humanizada. Foi lá que eu pude fazer o diagnóstico e tratamento do melanoma. Esse programa acontece na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, é gratuito e faz parte do SUS.
ACI: O albinismo é cercado de mitos e preconceitos que têm impacto negativo sobre a autoestima e sociabilidade das pessoas. Você sempre lidou bem com isso ou enfrentou dificuldades nesse sentido?
ANA CAROLINA: Em pleno século 21 a gente ainda é uma sociedade muito preconceituosa, muito capacitista e que segue um padrão estético adoecedor. Quem está fora desse padrão não pertence a esse lugar. Só esse fato já me traz várias percepções, inclusive meu reconhecimento enquanto uma pessoa albina. Enxergar a beleza em mim foi um processo difícil e com o qual eu lido até hoje. Lembro quando era criança, eu implorava para minha mãe pintar meu cabelo de preto. Com mais ou menos dez anos de idade ela me levou em um salão e falou para cabeleireira fazer três mexas de cores diferentes. Com o avançar do tempo, ficando um pouco maior, minha mãe deixou que eu pintasse o cabelo. E eu fui pintando, pintando meus cílios. Assim eu fui por muitos anos. Pintei meus cabelos até os 23. Há cinco que não pinto mais. E acho ele lindo, já não pinto mais meus cílios. Hoje consigo perceber minha beleza albina, minha cor albina, isso é muito representativo. No mundo dos brinquedos, dos personagens eu não tinha ninguém como referência. Eu queria me diferenciar, sair do meu albinismo para partir para um outro sentido e tentar me encaixar em outro grupo. Isso impactou na minha autoestima, no meu processo de reconhecimento, de aceitação. Eu tive que lidar com preconceito e lido até hoje. Os primeiros anos de escola foram muito difíceis. Fui ler muito tardiamente no final da primeira série em razão das dificuldades e despreparo do ensino. Em razão disso a gente precisa se adequar ao ambiente em que a gente chega. Os impactos de tudo isso foram relevantes. E fora tudo que as pessoas albinas precisam enfrentar. Meus pais são brancos, mas existem albinos negros. Isso é um grande tabu que a gente está insistindo em trazer para discussão. Albino não é tudo igual. Existem tipos diferentes de albinismo, com características diferentes. Além de todo preconceito e todo o estigma associados ao albinismo que vem de uma grande invisibilidade existem outros tabus, como por exemplo que pessoas albinas são pessoas puras, são como anjos. Isso repercute de uma forma muito negativa. Numa região da Tanzânia, pessoas albinas são caçadas e têm seus órgãos retirados para serem utilizados como amuletos de sorte. Isso é muito triste e muito assustador para os dias atuais.
ACI: Acredito que o caminho para formação das pessoas albinas seja ainda mais difícil do que já é para grande parte dos estudantes brasileiros. As escolas estão preparadas para oferecer o suporte necessário a quem tem essa condição?
ANA CAROLINA: O acesso à educação para as pessoas com deficiência, para as pessoas albinas ainda é muito restrito. A gente chega no ambiente e é rotulado como pessoa deficiente. E a gente que precisa se adequar ao ambiente e não o ambiente se adaptar a você, o que não é o correto. Tudo é ainda muito excludente. Existe uma normatização que já vem pronta, que já está imposta. A gente entra na dança sem saber dançar e vai tentando ter jogo de cintura para desbravar tudo isso. O que é muito difícil. Isso perpassa não apenas no ambiente da escola, da faculdade, mas a nossa sociedade como um todo não é preparada para receber as pessoas com deficiência. A gente não tem ruas pavimentadas de forma correta, tudo muito tumultuado, mal sinalizado, sem piso tátil. A começar por aí. As letras de todos os lugares, desde letreiros de ônibus, placas, rótulos de supermercados, etiquetas, tudo é muito pequeno. Livros, apostilas… a gente precisa de suporte, de adaptações para poder se inserir nesse meio que já está tão funcional de uma forma para a maioria das pessoas. Daí a gente precisa se enquadrar.
ACI: E a universidade está preparada para garantir acessibilidade e inclusão aos estudantes albinos? Sua graduação foi tranquila?
ANA CAROLINA: Eu fui, sou e serei a única albina da minha família, da minha escola, da faculdade, da pós-graduação, da residência. Isso significa que eu preciso me apresentar no sentido de que tenho essa dificuldade, essa necessidade e preciso que me sejam dadas ferramentas para que eu possa apresentar meu trabalho. Na escola ficava claro para mim que eu usava óculos e precisava sentar na frente para poder enxergar na lousa. E mesmo assim, por vezes, eu tinha que levantar para conseguir enxergar o quadro. Com o passar do tempo e com a tecnologia foi um pouco mais fácil porque tinha o celular. Tirava foto do quadro, pegava muita xerox, ampliava os textos. Tinha material em PDF, podia gravar as aulas. Tinha mais recursos para poder estudar. Fui bolsista Prouni na faculdade e foi através de cota para pessoas com deficiência. Eu só tive essa oportunidade a partir do reconhecimento que eu tinha uma deficiência. Para eu entender isso eu tive que conversar com outras pessoas albinas que me falaram sobre seus direitos. Isso foi um divisor de águas para mim. No primeiro Enem que fiz sai extremamente cansada, frustrada porque não consegui ter um bom rendimento. Não consegui nota para o Prouni. Tentei no ano seguinte já sabendo do meu direito de solicitar tempo adicional para realizar a prova e prova ampliada. Hoje nos concursos que eu presto e nas provas de seleção faço uso desse recurso que é um grande apoio. Quando tive contato com outras pessoas albinas que eram funcionários públicos, que tinham uma carreira de sucesso, fiquei me perguntando como chegaram até ali. No final da minha adolescência, no facebook, conheci um coletivo de pessoas albinas que chama Albinos do Meu Brasil e do Mundo. Conheci uma galera diferente, de todos os lugares do Brasil, de várias profissões. E passei a pensar que eu posso também. Conhecendo meus direitos, no segundo ano do Enem solicitei essas condições e foi muito diferente. Consegui uma nota boa que me deu uma boa posição e consegui a bolsa do Prouni dentro das cotas. Hoje, fazendo essa análise retrospectiva, eu penso que a instituição onde me graduei poderia ter conversado com o Núcleo de Apoio Pedagógico dizendo que havia uma aluna com deficiência. Me faltava percepção de que deveria falar disso. Por isso passei muito tempo despercebida. Na minha, quieta, tímida. Fazia o mínimo de perguntas possível. Sempre sentava na frente, sempre era alvo da visão dos professores e tentava vencer e me colocar numa posição de esforço. Era muito esforçada, ficava muito tempo na faculdade estudando e foi assim por muito tempo. Daí a gente se depara com outras dificuldades. No meu último ano, que era de TCC e estágio obrigatório, eu estava extremamente cansada, exausta. Visualmente muito cansada porque a gente precisa ler muita coisa. Aí eu tive um quadro de muita ansiedade, de estresse e não estava conseguindo ler. Fui conversar com a coordenadora do curso que não estava conseguindo acompanhar o estágio. Foi muito difícil. Fiz faculdade no Ceará, em Juazeiro do Norte, todo ano vinha para São Paulo para fazer o acompanhamento na Santa Casa. E nesse ano não consegui vir por causa da correria do estágio e tudo mais. Foi muito difícil encontrar um profissional naquele momento que pudesse entender da minha condição e saber o que estava acontecendo porque não estava conseguindo ler. Encontrei um oftalmologista, fiz novos óculos que me deram um pouco mais de conforto, mas foi muito difícil. Nessa época do estágio tinha muito receio de fazer alguma coisa errada e comprometer o estado de saúde da pessoa que estava passando por cuidados intensivos, por exemplo, na UTI. Eu me sentia muito insegura de não enxergar alguma coisa, de cometer algum erro. Eu chorava. Nesse momento as coisas aconteciam meio escondidas. Por exemplo, eu tinha as evoluções dos pacientes da clínica da faculdade para fazer. Professores me davam as fichas escondidas para levar para casa. Como se ninguém pudesse saber que eles estavam me ajudando. Na verdade não era esse tipo de ajuda que eu precisava. Era de equidade. Essa é uma palavra que carrego muito comigo hoje, que valorizo demais. Porque a partir do momento que você oferece condições para uma pessoa que tem qualquer condição diferente do padrão, ela consegue realizar suas atividades. Quando me são oferecidas condições satisfatórias em prol da equidade eu desenvolvo minhas funções como qualquer outra pessoa. Com a mesma qualidade, o mesmo desempenho e o mesmo zelo.
ACI: Hoje você faz parte da Comissão Local de Acessibilidade e Inclusão. O que a levou a integrar esse grupo e como pretende colaborar com as ações?
ANA CAROLINA: Fazer parte da Comissão Local de Acessibilidade e Inclusão é um grande presente. Esse é um movimento muito representativo e com certeza dará espaço para pautas extremamente importantes como essa que estamos discutindo aqui, que é o albinismo. E tantas outras questões que envolvem a pessoa com deficiência e a singularidade e pluralidade dentro do cenário acadêmico. Ter esse espaço e fazer parte dele é muito significativo pra mim. Recebi um convite da professora Jacque, pessoa muito querida e um anjo em minha vida. Que esteve presente em dois momentos importantes. O primeiro deles foi quando precisei fazer um exame complexo, que não tinha aqui na região de Botucatu, quando fui diagnosticada com melanoma. Em comunicação com um serviço de Bauru, a Jacque super envolvida com a minha história, me ajudou demais. A gente se conheceu nesse momento. E depois, no meu primeiro ano de mestrado, com disciplinas muito difíceis, não conseguia acompanhar. Dentro do ensino remoto, no começo da pandemia, eu estava com muita dificuldade com meus equipamentos em casa que não estavam funcionando e um professor do departamento me sugeriu um monitor especial como um recurso facilitador para meu aprendizado, com uma tela maior e uma resolução muito boa. Foi o que me ajudou. E com a volta das aulas eu tive que devolver o monitor para o professor e fui pedir socorro para a Jacque. Existe uma verba dentro da faculdade destinada para a compra de equipamentos para essas situações. Isso foi no mesmo período que estava acontecendo uma conversa, um movimento sobre a comissão local. Eles realizaram um primeiro encontro e fiquei super feliz com o convite e logo após a realização desse evento fui convidada para fazer parte como representante discente. Fiquei muito emocionada com o convite. Ainda estou me inteirando das pautas mas consigo enxergar os frutos disso futuramente.
ACI: Fique à vontade para comentar algo que julgue importante e que não foi perguntado.
ANA CAROLINA: Ainda falando sobre preconceito eu considero que lidei sempre de uma forma até tranquila. Muito a partir do que eu pude vivenciar da educação que eu tive, com a qual eu fui criada muito livre. Eu tinha liberdade para vestir a roupa que eu queria, mostrar a cor das minhas pernas. Até um certo tempo da minha adolescência me permitia pintar o cabelo de uma cor diferente, passar uma maquiagem, me sentia muito livre para me desenvolver. Não dava muita atenção para as piadas e os apelidos. Claro que em certos momentos isso me deixava chateada, triste, mas nunca fez com que eu me isolasse. Sempre tive amigos, consegui me desenvolver intelectualmente, ser uma boa aluna, apesar das dificuldades. A partir do ensino médio e principalmente na graduação consegui me destacar e passei a entender minhas dificuldades de fato. E lancei algumas estratégias para seguir em frente. Me sinto muito privilegiada de ter sido criada dessa forma, livre. Existem muitas pessoas albinas que se isolam, têm vergonha de seus corpos, da sua cor, do seu cabelo. São pessoas que não tiveram acesso a algum programa que pudesse lhe dar assistência e orientar. Sou muito privilegiada de estar numa universidade. Infelizmente hoje o acesso não é para todos e isso também limita muito. Nossa condição visual exclui muito as oportunidades. O ensino, a educação já é algo muito difícil. Agora você imagina para uma pessoa que já tem várias questões, principalmente relacionadas a sua autoestima, ao preconceito. Como essas pessoas vão falar sobre deficiência, sobre acesso e inclusão se elas não se identificam dessa forma. Não enxergam beleza em si. Saindo de minha bolha de privilégios, quero buscar conhecimento para gerar conhecimento para outras pessoas, principalmente para mães de pessoas albinas. Esse é um lugar de muita responsabilidade e ao mesmo tempo um lugar de muita vontade. Quero ter a chance de discutir o albinismo e contar minha história longe do sensacionalismo que muitas vezes trazem as matérias da tevê. A forma com a qual o albinismo é manejado muitas vezes traz dificuldades e informação errada. Isso também vale para o meio assistencial e médico. Eu passei pelas mãos de muitos profissionais. Ainda hoje, as vezes, preciso explicar para a pessoa que está ali me atendendo como se fala e como se aborda. Não é portador de albinismo. São muitos entraves e muitos pontos que precisamos levar para discussão. Eu enxergo essa entrevista, que será transformada em podcast, como uma grande potência. Que minha fala possa chegar para pessoas diferentes. Ter um espaço dentro de uma universidade pública que se preocupe em partilhar e compartilhar esse tipo de informação é extremamente importante. A mensagem que deixo, principalmente nesse dia 13 de Junho, dia mundial de conscientização sobre o albinismo, é que não se trata de uma doença. Nós albinos somos como qualquer outra pessoa e nossas características não podem ser a única coisa que nos define. Nós somos seres humanos como os demais, com sonhos, desejos, medos, inseguranças, planos e assim que a gente deve ser tratado.