A Unesp inaugurou nesta quinta-feira, 13 de junho, no câmpus de Botucatu, a fábrica de amostras de medicamentos para pesquisa clínica V-BioPharma, um ambiente projetado para atuar na produção e no desenvolvimento de lotes pilotos de biofármacos voltados às últimas fases da pesquisa clínica, bem como pensado para a formação de recursos humanos no campo da ciência translacional.
Construída dentro dos parâmetros das “Boas Práticas de Fabricação”, classificação exigida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para plantas deste tipo, a fábrica foi entregue menos de três anos depois do anúncio da proposta vencedora da licitação para a sua construção, feito em outubro de 2021. O custo da obra girou em torno de R$ 20 milhões e foi financiado, em sua maior parte, pelo Ministério da Saúde.
As instalações da fábrica estão ligadas à coordenação do Centro de Estudos de Venenos e Animais Peçonhentos (Cevap) da Unesp e fazem parte de uma iniciativa considerada estratégica para o país, pois cria as bases para, em um futuro próximo, aplicar conhecimentos biotecnológicos para conectar as pesquisas básicas aos ensaios clínicos de novos fármacos, particularmente os medicamentos biológicos.
O trajeto de desenvolvimento para levar um novo fármaco da bancada do laboratório até o usuário envolve tantos obstáculos que o processo é apelidado de “vale da morte”, dados os achados da ciência básica que não prosperam. É neste “gap” do processo de pesquisa e inovação que a fábrica inaugurada no câmpus de Botucatu vai atuar.
“É o primeiro (projeto do gênero) do Brasil e vai projetar a Unesp no cenário nacional e internacional. Para isso que estamos na gestão: para ser facilitador desse processo de crescimento e desenvolvimento científico constante da Unesp”, afirma o reitor Pasqual Barretti. “Se no Brasil temos uma enorme deficiência de equipamentos como esse, tanto que é o primeiro, devemos imaginar que temos uma grande deficiência de recursos humanos voltados para essa área. Isso aqui vai significar para o translator como um hospital significa para um médico, onde ele vai poder ver acontecer todas as fases da pesquisa, desde a invenção do pesquisador até a disponibilização para um ensaio clínico”, diz Barretti.
Localizada em terreno vizinho ao prédio-sede do Cevap, dentro da Fazenda de Lageado do câmpus de Botucatu da Unesp, a instalação é a única do gênero no Brasil, como lembrou o reitor. Atualmente, as últimas fases da pesquisa clínica ou freiam o desenvolvimento em escala maior de um novo fármaco, como ocorreu com os dois produtos estudados recentemente no Cevap, o selante de fibrina e o soro antiapílico, ou a indústria paga para seguir com os estudos clínicos fora do país, interrompendo uma cadeia produtiva puramente nacional.
Foi por causa dos obstáculos encontrados para seguir com as pesquisas com o selante de fibrina e o soro antiapílico, aliás, que o Cevap fez o primeiro esboço de uma nova instalação, em 2009. Os recursos para a construção da fábrica foram obtidos na década seguinte, mas o projeto ganhou força mesmo com a pandemia de covid-19.
“A pandemia ajudou as pessoas a entenderem a importância de um aparelho como esse para fechar uma lacuna que ainda existe no país”, afirma o pesquisador e coordenador executivo do Cevap, professor Rui Seabra Ferreira Júnior. “Por isso que na minha fala eu disse que, a partir de hoje, nós iniciamos a mudança de como nós produzimos e desenvolvemos um novo medicamento no país”, diz o docente.
A fábrica de amostras de medicamentos para pesquisa clínica recém-entregue é a parte mais visível de um projeto com muitas frentes. Enquanto as paredes da nova instalação estavam sendo erguidas, o Cevap se tornou instituição-sede de um Centro de Ciência Translacional e Desenvolvimento de Biofármacos, um programa da Fapesp que destinará R$ 10 milhões ao longo de cinco anos para apoiar as atividades relacionadas à fábrica, que já contratou 12 funcionários para trabalhar no local.
Em paralelo à infraestrutura de pesquisa, a Unesp conseguiu consumar duas ações que ajudam na formação de pessoas ao processo de translação das pesquisas realizadas nas bancadas de laboratórios, objetivo da ciência translacional: a aprovação de bolsas para os programas de pós-graduação profissionais em pesquisa clínica existentes no país, em uma iniciativa conjunta com a Faculdade de Medicina do câmpus de Botucatu; e o oferecimento de uma disciplina de ciência translacional em conjunto com a Universidade de Oxford.
“Essa fábrica também nasce em um viés de fábrica-escola. Ao mesmo tempo, temos a responsabilidade de formar recursos humanos e somos brindados com a possibilidade de sorver os recursos humanos formados pela universidade”, diz Rui Seabra Ferreira Júnior.
Após a entrega da obra, o Cevap trabalha agora para equipar o prédio. Já está para a aprovação no Ministério da Saúde um montante de R$ 60 milhões em equipamentos para financiar o início da operação em até dois anos. A fábrica V-BioPharma deve funcionar por meio de uma CDMO (Contract Development and Manufacturing Organization), ou Organização de Desenvolvimento e Fabricação sob Contrato, modelo de funcionamento que fornece serviços terceirizados de desenvolvimento e produção de medicamentos para outras empresas farmacêuticas, biotecnológicas ou instituições de pesquisa. A ideia é trabalhar tanto com o Sistema Único de Saúde (SUS) quanto com a iniciativa privada.
“O grande projeto é para o SUS, mas para se alcançar sustentabilidade tem que trabalhar parceria com empresa”, afirma o pesquisador Benedito Barraviera, diretor do Centro de Ciência Translacional e Desenvolvimento de Biofármacos e um dos decanos do Cevap.
Na cerimônia que marcou a inauguração da fábrica, estiveram presentes o deputado federal Ricardo Barros; o prefeito de Botucatu Mário Pardini Affonseca; pró-reitores e outros gestores da administração central da Unesp, diretores de unidades universitárias da Unesp, representantes de outras universidades, de políticos e de órgãos públicos, entre outros convidados. Ao longo do dia, foram realizadas visitas monitoradas aos futuros laboratórios.
Através de prestação de serviços à indústria farmacêutica, a unidade atuará na produção de lotes pilotos de biofármacos para ensaios clínicos em um ambiente validado, bem como abrigará uma Escola para o treinamento e capacitação profissional dentro das Boas Práticas de Fabricação (BPF/GMP), além de espaço destinado a startups de biotecnologia. (Texto: por: Fabio Mazzitelli da Unesp. Fotos: