Recentemente a reportagem do Agência14News abordou matérias de um início de rebelião na Fundação CASA (Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente) de Botucatu e dias depois uma manifestação do governo Estadual bem como da justiça local dizia que a unidade de Botucatu é tranquila e que o caso registrado na cidade foi pontual.
Após essas duas reportagens, funcionários também foram procurados, mas ninguém quis dar entrevista. Dentre as pessoas que foram buscadas apenas uma deu resposta aos questionamentos e aceitou conversar sobre o tema em questão, incluindo o da unidade de Botucatu.
O personagem é Antonio Gilberto, ex-presidente do sindicato dos agentes da Fundação CASA, na gestão 1999 – 2004, que afirma ter sido demitido em 2007 onde permanecia como diretor sindical, e quando diz, conseguiu reintegrar na época 1.751 funcionários que haviam sido demitidos em 2005. Depois ele ganhou na justiça e espera determinação para voltar.
Na sua fala, a forma de atuação da Fundação CASA apresenta hoje um risco para internos, funcionários que estão em poucos números e adoecendo, além de uma política que, ao seu ver, é de perseguição através da corregedoria.
Antonio Gilberto pode ser visto como alguém que foi demitido e tenta atacar a imagem da instituição, ou alguém que briga para tentar mostrar o que está errado na Fundação CASA. Mas ele não poupou apontar o que considera erro da Fundação CASA e instituições relacionadas.
DEMITIDO
“Quando a Fundação percebeu que eu poderia disputar a eleição novamente e houve um racha na diretoria, uma vez que eu não concordava com alguns encaminhamentos que aquela diretoria estava tomando: de fazer acordo com aquela gestão, eles arrumaram um jeito de me demitir fraudulentamente. Fui demitido em 2007, entrei com ação judicial, fui reintegrado em 2014 – e durante esse período que fique afastado não teve nenhuma greve na categoria porque o sindicato está comendo na mão da direção. Em janeiro de 2014 eu fui reintegrado. Depois a categoria ficou sabendo que eu tinha voltado e aí a gente começou a mobilizar a categoria por redes sociais e houve uma greve que o sindicato também não queria, em 2014. Fui eleito membro de uma comissão de trabalhadores numa assembleia com mais de 1.500 trabalhadores em frente ao Complexo Brás para representá-los junto ao TRT – Tribunal Regional do Trabalho”.
“Sou agente de apoio socioeducativo e no momento continuo desligado mesmo com a decisão em primeira instância que garante a minha reintegração”.
“Por chamar a categoria em meu blog informativo – voltado para os trabalhadores como outros companheiros têm – eles abriram um processo administrativo alegando que nós ofendemos a boa honra da administração, da instituição e da corregedoria porque nós estávamos questionando os processos administrativos, inclusive existe representação de dois deputados que ingressaram com representação no Ministério Público Estadual e MP do Trabalho denunciando as fraudes dos processos administrativos e aí novamente fomos demitidos. Por conta disso continuo com processo de reintegração. Ganhei a representação em primeira instância na Justiça do Trabalho com tutela antecipada, mas a Fundação CASA entrou com mandado de segurança e o Tribunal suspendeu a tutela. O processo está aguardando recurso que a Fundação entrou, mas tecnicamente eu já ganhei em primeira instância”.
SITUAÇÃO DA UNIDADE DE BOTUCATU
“A situação de Botucatu não é diferente das demais unidades. Aí em Botucatu está com falta gritante de funcionários. A situação de falta de segurança da unidade também é gritante. Porque o número de funcionários é bem desproporcional em relação ao número de internos. As políticas pedagógicas que deveriam ser realmente implantadas, mas não são, porque não tem estrutura e condições suficientes para poder desenvolver esse trabalho. E todos os funcionários daquela unidade estão em risco como nas demais unidades. São cidades pequenas onde funcionários acabam morando na mesma localidade e acabam encontrando com o adolescente. Então, o funcionário que trabalha nessas unidades – que são pequenas – vivem amedrontados dentro e fora dessas unidades. Porque lá dentro o adolescente ameaça o funcionário e depois lá fora você tem o risco dos familiares ou de ficar ameaçando como já aconteceu em várias cidades, de perseguir e ser agredido na rua. Botucatu não é diferente ainda mais quando você tem uma administração que não dá o apoio aos servidores porque tudo lá gira em torno do adolescente. Quem comanda as unidades não é o funcionário, mas o adolescente. Vai continuar a acontecer esse tipo de situação como aconteceu aí (Rebelião) como em outras unidades, na Praia Grande e São José do Rio Preto, enfim, porque os funcionários estão sem segurança nenhuma”.
POLÍCIA, CARGOS E LEI
“Existe uma normativa do Tribunal Regional do Trabalho que foi julgado pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelo STF que é o processo 2231/2004 e 20007/2005 que garantem aos servidores o direito de não ingressarem ao local de trabalho onde exista risco de vida. Por que? O Artigo 229 da constituição estadual que o empregado em risco iminente de vida, ele não é obrigado a entrar para o local de trabalho. Foi com base nessa legislação que o TRT deu essa decisão em 2004. No dissídio de 2014 o Tribunal determinou que a Fundação colocasse policiamento na porta das unidades e em nenhum momento a Fundação cumpre isso. O que a gente assiste aí é despencar um monte de cargo de confiança (de pessoas) que nunca viram a Fundação ou adolescente, com ranho na cara, enquanto isso os trabalhadores estão aí penando, numa situação crítica. Você vê pessoas ocupando cargos em várias unidades, que são pessoas que não têm o mínimo de preparo. Mais que isso: você tem uma situação de amedrontamento por parte da instituição através da corregedoria. Desde que nós ganhamos a estabilidade de servidor público na reintegração de 2005- que inclusive transitou em julgado no Supremo Tribunal Federal – a instituição montou uma corregedoria para continuar fazendo o controle social porque antigamente eles demitiam ao bel prazer, sem processo administrativo, e depois que nós ganhamos a estabilidade de servidor público, eles só podem mandar embora através de processo administrativo; e montou-se uma corregedoria que mais parece uma instituição de política do que apuratória e jurídica. E ela só apura em relação aos funcionários, não apura em relação à administração. Ou seja, a administração coloca os funcionários e os adolescentes dentro de uma arena, que essa é a verdade dos fatos. Eles criaram essa arena aí. Eles colocam os funcionários e os adolescentes para se degradarem lá, e a corregedoria, depois, caso o funcionário leve alguma vantagem, ou seja, não saia ferido de uma rebelião, ele acaba sendo responsabilizado apenas para justificar o erro da administração que deixou de cumprir algumas normas e algumas metas que evitassem algum tipo de conflito no local de trabalho. Nessa arena, o Governo fica lá assistindo de camarote.
NEGOCIAÇÕES SALARIAIS
“A perversidade da instituição é tão gritante que no dissídio agora de 2016, a Fundação foi condenada por ato anti-sindical e prática litigância de má fé. O que os desembargadores entenderam: ela fez uma proposta e de repente não quis mais a proposta porque os trabalhadores não suspenderam a greve na data que ela queria. Então simplesmente ela retirou (a proposta). Se ela faz isso em um conjunto de Tribunal, imagine o que ela faz aonde está só o empregado e o corregedor? Onde o corregedor se coloca como Deus. Como não é o caso do Adriano Neiva, do Munhoz e de outros, a corregedoria se colocou como vítima no processo, como apuradora e como juíza do processo. E não foi nos garantido a ampla defesa e do contraditório como se prevê na Constituição Federal. Por isso os funcionários ficam muitas vezes com medo de falar. O sindicato tem uma postura de andar abraçado com a instituição, que massacra. Um bônus garantido desde 2012 não foi pago até agora. E nós não vemos uma ação do Ministério Púbico do Trabalho uma ação mais efetiva para coibir esse abuso da corregedoria”.
ATESTADOS FALSOS DE FUNCIONÁRIOS
“Nós vimos agora uma ação do MP em relação aquela declaração que a corregedoria deu, que os atestados entregues pelos trabalhadores eram suspeitos principalmente no interior. A corregedoria faz de tudo para o funcionário ir trabalhador doente. Em nenhuma instituição pública o índice de absenteísmo e adoecimento acontece como dentro da Fundação CASA. O nível chega a 30% da categoria. Precisa ser feito alguma coisa. Não dá para ir trabalhar doente fisicamente e mentalmente e ainda correr risco dentro das unidades. Por isso é necessária uma intervenção mais pontual dos órgãos direitos humanos não só para os adolescentes, mas principalmente para o trabalhador… mas ação do Ministério Público do Trabalho, MP Estadual, da OAB, enfim, de todo mundo, porque aqui está virando uma máquina de moer gente, sendo que seu papel é recuperar o adolescente, que para isso o trabalhador tem que se ter as condições necessárias para que ele possa fazer isso, e não como está: sem segurança, unidade sendo invadida, como aconteceu aqui na Fazenda do Carmo. Um dia deram um tiro na porta da unidade, e não colocaram policiamento, e no outro entrou um grupo armado e resgatou os adolescentes. E a corregedoria vem dizer que vai apurar se houve facilitação por parque do funcionário. Me poupem. Isso é um absurdo”.
A equipe do Agência14News procurou todas as entidades citadas na reportagem. Apenas a Fundação CASA respondeu até o momento.
“Todos os atos da Corregedoria são motivados, o que não caracteriza perseguição”, diz Fundação CASA
A Assessoria de Imprensa da Fundação CASA informou que a instituição baseia o seu atendimento – a prestação de serviços de execução de medida socioeducativa – nas diretrizes previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase).
“Entre elas, está a descentralização do atendimento com a construção de centros socioeducativos menores e em municípios mais próximos do local de origem do adolescente, o que inclui cidades com menor número de habitantes, como Botucatu. Entre 2005 e 2015, a Fundação CASA inaugurou 77 novos centros, oferecendo mais de 4.400 novas vagas”, informou em nota oficial.
A medida, diz a nota, é para que se garanta a participação da família no processo socioeducativo, assim como se garanta a convivência familiar e comunitária, direitos dos jovens. “Além disso, possibilita o atendimento mais individualizado, dentro das necessidades de cada adolescente, num ambiente que, mesmo com disciplina, valoriza o respeito no relacionamento entre funcionários e jovens. Não há predominância do discurso de um sobre o outro, da mesma forma que os CASAs são geridos diretamente pelos funcionários, cada qual na sua função”.
Desde a mudança institucional, ocorrida em dezembro de 2006, informa a Fundação, “a instituição oferece aos jovens atividades em educação formal, arte e cultura, educação profissional básica e esporte e lazer, assim como promove a convivência comunitária por meio de iniciativas externas, especialmente com o apoio da comunidade”.
No processo de mudança, a assessoria diz que “os funcionários foram primordiais e trabalharam, em geral, de forma conjunta na construção do novo tipo de atendimento que passou a ser prestado”. “O Regimento Interno da Fundação CASA especifica como deve ocorrer todo o atendimento socioeducativo, seja nas áreas da pedagogia, saúde, psicologia, assistência social e segurança. Os funcionários passam por capacitações frequentes, inclusive no ingresso por meio de concurso público, para que tenham clareza no desempenho de suas funções, como também têm à disposição plano de saúde subsidiado pela instituição.
Se algo na conduta desrespeita as normativas existentes, a Corregedoria Geral da Fundação CASA atua no sentido de investigação administrativa que pode culminar com processo administrativo e, no último, com demissão por justa causa. Todos os atos da Corregedoria são motivados, o que não caracteriza perseguição”.
Sobre Botucatu, a entidade diz que “no dia 04 de junho, houve uma situação pontual de tumulto no CASA Botucatu, que está sob investigação da Corregedoria Geral da Fundação em sindicância administrativa”.